domingo, 30 de dezembro de 2007
JACK, O ESTRIPADOR - Parte II
Altar-mor da Igreja Matriz de Alhos Vedros (pormenor)
Jack, o estripador – Parte II
Para satisfazer a curiosidade dos meus amigos, vou completar o relato que fiz dos acontecimentos na inauguração da exposição da minha obra “Altar-mor”, revelando o seu final.
A realidade ultrapassa a mais fértil imaginação. Não sei se sou eu o primeiro a escrever esta frase, mas sei que todos nós, em algum momento, já o pensámos.
Para que não restem dúvidas sobre a veracidade dos acontecimentos, vou transcrever o relato saído num dos jornais de referência.
O insólito aconteceu
O conhecido (mudei o adjectivo: estava famoso:) pintor António Tapadinhas foi o culpado involuntário de um grave acidente que ocorreu durante a apresentação da sua última obra, “Altar-mor da Igreja de S. Lourenço”, na histórica vila de Alhos Vedros.
O autor estava a explicar para uma plateia interessada e atenta, como tinha conseguido criar as cores e texturas que tornam a obra tão viva, principalmente os azulejos, que de tão realistas parecem cair da tela a qualquer momento, quando se ouviu um homem de feições asiáticas gritar em voz alta:
“Os azulejos são colados!”
Fez-se um silêncio tumular na sala. A multidão abriu alas para deixar passar o indivíduo que brandia uma enorme navalha, dirigindo-se directamente para a tela que, mais do que nunca, se tornara o centro das atenções.
“Vou arrancar os azulejos, para provar à minha mulher e a todos vós que tenho razão.”
Nesse momento, todos os olhos se voltaram para uma mulher que a chorar convulsivamente, dizia em voz alta:
“Não! Não tens razão! Eu passei duas noites com o pintor para o ajudar a acabar a obra! Eu vi-o a pintar os azulejos! Até o ajudei a limpar os pincéis...”
O homem ficou lívido e disse com voz tremente:
“Antes a morte que tal sorte!”
Caiu de joelhos e, antes que alguém pudesse reagir, agarrou a navalha com ambas as mãos e fez harakiri perante a multidão estupefacta...
Desde esse dia nunca mais pintei azulejos...
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
JACK, O ESTRIPADOR
Altar-mor da Ig. de S. Lourenço Acrílico sobre tela (100x100)
Igreja de S. Lourenço Técnica mista sobre papel
Pelourinho e Capela Tinta da china sobre papel
A primeira vez que me convidaram para fazer a capa de um livro foi para o “Dicionário dos Falares de Trás-os-Montes”... Seguiram-se outros falares...
Continuei com os livros históricos... No volume II de “Contributos para a História Local do Concelho da Moita”, na capa desenhei a tinta da china o pelourinho e a Capela da Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros.
Para os mais interessados em história, o pelourinho tem fuste de secção oitavada e lisa assente numa base encordoada. No cimo tem um capitel tronco-piramidal com uma esfera armilar em ferro.
A Capela, construída em 1587, é constituída por uma nave coberta por tecto de madeira e as paredes revestidas de azulejos do século XVII. O altar-mor tem um retábulo de talha dourada do mesmo século, com a sua estrutura organizada como um arco de triunfo.
O volume III, terá na capa a Igreja de S. Lourenço, Matriz de Alhos Vedros, que representa a nobreza da vila. Da igreja construída no século XIII, nada resta. A actual data do século XV e a nave e pórtico do século XVII, com azulejos de 1749 que relatam passagens da vida do patrono da Igreja.
Foi nesta igreja, que pelo seu conjunto estilístico heterogéneo deixa adivinhar modos diferentes de encarar a religiosidade, que eu, em frente ao altar-mor de talha dourada, com a autorização do Padre Carlos, passei alguns dias a cuidar dos pormenores da pintura que agora apresento.
Talvez por ser demasiado óbvio não empreguei nenhuma tinta dourada. Utilizei toda a gama de cores a começar no “cadmium yellow pale” e a acabar no castanho “burnt umber”, passando pelo “naples yellow” e “yellow ochre”. Tentei dar-lhe toda a riqueza de nuances e matizes que a luz filtrada pelos vitrais, e a luz bruxuleante das velas ora esconde, ora revela, num jogo de claro-escuro, que me obrigou ao mesmo tempo a ser paciente e rápido, para registar na tela as impressões de momentos quase sempre irrepetíveis.
Trabalhei esta obra um pouco a contra-relógio, porque tinha imposto a mim próprio a obrigação de a apresentar nas Festas de Nossa Senhora dos Anjos que se realizavam no final do mês de Julho. E consegui.
Fui recompensado pelo meu esforço com os comentários favoráveis que ouvi. No entanto, no dia da sua apresentação fiquei um pouco preocupado: mais do que um apreciador da obra (ou da Igreja), espreitou os cantos para ver como é que eu tinha colado os azulejos... Esta dúvida provocou uma acesa discussão num casal: o marido dizia que eram pedaços de azulejos colados, a mulher que era pintura. Ele, para provar à mulher que tinha razão, tirou uma navalha do bolso para levantar os azulejos...
Já tenho ficado com pele de galinha quando pessoas sem problemas de visão, assumem que a superfície da tela é uma escrita em Braille, que só pode ser apreciada com os dedos...
Com uma navalha nunca tinha visto!
Felizmente o homem não se chamava Jack...
sábado, 22 de dezembro de 2007
CONTO DE NATAL
´
Paisagem Óleo sobre tela colada sobre platex (28x34)
Apresento esta obra, porque me parece fazer lembrar a aldeia do meu conto de Natal.
Este foi o meu primeiro quadro (1994). Quando o pintei, no estúdio do Mestre Pina da Silva,ele fez um ar de surpresa e agrado, que me deixou muito orgulhoso e disposto a continuar a pintar. Esta continua a ser o obra preferida da minha filha, Elsa. Estou farto de trabalhar para ver se consigo mudar-lhe a opinião. Até hoje, ainda não consegui...
Não há amor como o primeiro...
Natal em Setembro
Capítulo I – Regresso às origens
Olhou novamente para o relógio digital do automóvel: nesse momento, marcava nove horas da manhã, do dia vinte e cinco de Setembro, o que queria dizer que faltavam pouco mais de três horas...
Apesar do mau estado da estrada não estava arrependido por ter cedido ao impulso de fazer aquele desvio.
A decisão tinha sido tomada no momento da assinatura dum vantajoso contracto de fornecimento de café, ao verificar que o dono da empresa era natural de Arnóia. Considerou esse facto como um sinal divino para cumprir uma obrigação que, por um motivo ou outro, tinha sempre adiado.
Não fazia a mínima ideia do que iria encontrar. Esperava ter na aldeia, um local em que pudesse almoçar e convencer alguém a mostrar-lhe a casa onde tinham vivido os seus pais, o seu jazigo e o túmulo de Munio Moniz, o mais ilustre de todos os seus antepassados.
Depois de subir um pequeno outeiro, viu pela primeira vez a aldeia em todo o seu esplendor. Um edifício destacava-se no meio do casario, talvez um antigo mosteiro, junto a uma igreja no centro da praça, rodeada por casas de construção tradicional, em que predominava o granito. No limite poente, distinguia-se um pequeno castelo, com a torre de menagem em ruínas.
Enquanto o seu cérebro absorvia estas informações, começou a suave descida e, ainda mal refeito das emoções contraditórias que o assaltavam leu, incrédulo, num arco cheio de lâmpadas de diversas cores: “A Fundação deseja a todos um Feliz Natal”.
Os arcos com luzes sucediam-se a espaços. As árvores que ladeavam a estrada estavam ponteadas de lâmpadas coloridas e as montras dos estabelecimentos tinham tudo o que é normal apresentar na quadra natalícia.
Chegou ao centro da praça e estacionou o automóvel. Apreciou com espanto o presépio e o gigantesco pinheiro coberto de luzes e bolas coloridas, junto ao pelourinho e coluna da forca. Uma decoração grandiosa, atendendo à dimensão da aldeia. “E única – disse para si próprio. Não te esqueças que estamos a vinte e cinco de Setembro”.
Ao fundo duma rua estreita, divisou um estabelecimento que lhe pareceu um café. Dirigiu-se para lá. Um sorriso suavizou-lhe as faces angulosas ao ler o nome na placa suspensa sobre a porta: “Café – Natal Sempre”.
Quando entrou, as poucas pessoas presentes fizerem silêncio, a olhá-lo, achou, ostensivamente.
-“Bom dia, minha gente!” – saudou em voz alta, caminhando para o balcão.
Ficou com a impressão que todos se levantaram para lhe responder, num coro afinado:
-“Bom dia, senhor!”.
No balcão, um velho, de ombros largos e direitos, cabelos brancos e ralos, mãos enormes a segurar um pano branco, com um sorriso jovial, perguntou:
-“Em que lhe posso ser útil, senhor Moniz?”.
Tentando ocultar o seu espanto, pediu um café.
Relanceou os olhos pela sala. Na parede, por cima da lareira, despertou-lhe a atenção um imponente quadro a óleo, com uma figura que, àquela distância, lhe pareceu familiar.
Aproximou-se. A curiosidade transformou-se em surpresa; em espanto; em assombro. Estava a ver o seu retrato: só que ele nunca usaria umas patilhas tão grandes.
Voltou para o balcão e quis pagar o café.
O ancião torcia nervosamente o pano branco nos dedos finos e compridos.
-“Por amor de Deus, senhor Moniz. Não é nada. Tem de se apressar. O padre Abílio espera-o. A minha empregada vai indicar-lhe o caminho até ao mosteiro”.
Achou que não valia a pena discutir, tal a rapidez e convicção com que foram ditas as frases.
Dirigiram-se para o mosteiro. A empregada ao entrar na sacristia, pediu-lhe para que se sentasse enquanto ela ia chamar o senhor prior.
O padre Abílio era uma figura imponente; um modelo perfeito para El Greco: altíssimo, direito como um pinheiro com a copa formada pelos fartos cabelos brancos, que contrastavam com os olhos negros e expressivos, abertos dum espanto que Sérgio começava a achar normal. Tinha uma voz grave e pausada.
-“O senhor é um Moniz. Vem almoçar?” – mais do que uma pergunta, era uma afirmação.
Sérgio, não resistiu. As palavras saíram rápidas, veementes.
-“Senhor padre, eu não sei nada de almoços, nem porque todo o mundo está ficando feito bobo a olhar para mim, como se vissem fantasma ou santo em carne e osso. Me explica tudo direitinho, por favor!”.
Era tal o desespero patente na sua cara que o padre deixou para depois a satisfação da sua própria curiosidade.
Eis, em resumo, a história que o padre Abílio lhe contou.
Capítulo II – O almoço de Natal
Dom Sertório e Dona Eurídice eram as pessoas mais ricas e bondosas da região. Para a sua felicidade ser completa, apenas faltavam os filhos. Desenganada pelos médicos, Dona Eurídice prometeu ao Menino Jesus que se tivesse um filho, a comemoração do aniversário do seu nascimento seria no dia de Natal, com a presença dos habitantes da aldeia, sendo distribuídos brinquedos e prendas a todas as crianças.
Passado algum tempo, a boa nova correu a aldeia: Dom Sertório Moniz ia ser pai.
E assim foi. Para contentamento de todos, no dia 25 de Setembro, perto do meio-dia, nasceu um robusto rapaz a quem deram o nome de Sérgio.
Esta felicidade não durou muito tempo. No início da Primavera, Dona Eurídice adoeceu. Persistentes dores de cabeça, levaram-na a fazer diversos exames. Os especialistas consultados foram unânimes: tinha um tumor no cérebro que dentro de pouco tempo lhe roubaria a vida. Os primeiros sintomas seriam dificuldades de coordenação motora e uma gradual perda de visão e dos momentos de lucidez.
Quando Dona Eurídice toma consciência do seu estado de saúde, no seu cérebro só havia espaço para um pensamento que era simultaneamente um pesadelo surrealista para Dom Sertório: o receio de não comemorar o primeiro aniversário do seu filho.
Nas longas horas que passava a seu lado, surgiu-lhe uma ideia que, quanto mais pensava nela, mais convencido ficava da sua bondade. Para a sua concretização era indispensável a anuência do prior.
Foi mais fácil do que pensava. Depois de lhe contar o seu plano, o pároco concordou de imediato, fazendo a sugestão de pedir a colaboração dos seus paroquianos na missa de Domingo, a mais frequentada.
Foi passada a palavra. A igreja encheu-se de pessoas ansiosas para saber qual o importante anúncio que ia ser feito durante a missa. Num sermão comovente, o padre pediu a crentes e não crentes, para colaborarem numa missão em que todos ficariam a ganhar e ao mesmo tempo fariam a felicidade de alguém que muito estimavam: a Dona Eurídice que, tudo indicava, deixaria em breve este mundo, por vontade do Altíssimo. Com a assembleia a beber as suas palavras, concluiu:
Aquilo que vos peço é que todos aceitem o convite para um almoço de Natal no dia 25 de Setembro. É indispensável que preparem os vossos filhos para receber os presentes das mãos de Dona Eurídice, como se fossem entregues pelo próprio Menino Jesus. Deus vai perdoar-nos esta pequena mentira. Ámen.
A partir desse dia, começaram os febris preparativos para a grande festa. Dom Sertório não tinha mãos a medir para resolver todos os problemas que surgiam. Quase sem notar, o grande dia chegou.
Nessa manhã, como todos os dias, foi ao hospital, visitar a sua amada esposa. Quando chegou ao quarto, Dona Eurídice ainda dormia tranquilamente, devido aos sedativos que a mantinham numa semi-inconsciência. Ansioso, esperou que ela acordasse naturalmente.
Quando se apercebeu da presença de alguém no quarto, abriu os olhos e, ao vê-lo, um sorriso brincou na sua face cansada. E fez a pergunta:
-“Querido, já é Natal”.
-“Sim querida, hoje é dia de Natal e tenho aqui a tua prenda!”.
Um sorriso iluminou a sua face, o quarto, a aldeia, o mundo.
Ajudou-a a abrir o embrulho.
-“É o vestido que quero que vistas na festa de Natal!”
Quando chegaram ao grande salão engalanado, onde se realizava a festa, os habitantes da aldeia levantaram-se e gritaram num coro desafinado:
-“Feliz Natal! Feliz Natal!”
Dona Eurídice morreu três dias depois, agradecendo a Deus por ter podido cumprir a sua promessa.
Na semana seguinte, Dom Sertório Moniz, assinou a escritura da “Fundação Natal Sempre”, a que doou o Mosteiro e um capital inicial suficiente para cumprir a obrigação de fazer a festa de Natal no dia vinte e cinco de Setembro de cada ano, convidando todos os habitantes da aldeia e fazer a oferta de brinquedos às crianças. Ficava também determinado, que a partir desse ano, seriam concedidas bolsas de estudo a todos os que delas precisassem.
Dom Sertório Dinis morreu de causas nunca esclarecidas. Suicídio ou ataque cardíaco? O que se sabe é que deixou o encargo de criar o filho ao seu único irmão, Afonso. Passado pouco tempo, este vendeu todas as propriedades e emigrou para o Brasil. Desde esse dia, nunca mais houve novas ou mandados da família Moniz.
A Fundação, bem administrada, floresceu e continua a cumprir o objectivo para que foi criada: realizar a festa de Natal no dia vinte e cinco de Setembro.
Ao acabar a sua narração, o prior olhou para o homem que, vergado ao peso de uma imensa dor, chorava convulsivamente.
-“Afinal quem és tu, que tanto sofres?”
-“Sérgio Moniz!”
O velho padre Abílio que o tivera nos braços, recém-nascido, abraçou-o fortemente, juntando as suas lágrimas e o seu riso ao amigo reencontrado. E disse, com a simplicidade do que é sublime:
-“Parabéns, Sérgio! Vamos embora! Já estão à nossa espera para almoçar!”.
Paisagem Óleo sobre tela colada sobre platex (28x34)
Apresento esta obra, porque me parece fazer lembrar a aldeia do meu conto de Natal.
Este foi o meu primeiro quadro (1994). Quando o pintei, no estúdio do Mestre Pina da Silva,ele fez um ar de surpresa e agrado, que me deixou muito orgulhoso e disposto a continuar a pintar. Esta continua a ser o obra preferida da minha filha, Elsa. Estou farto de trabalhar para ver se consigo mudar-lhe a opinião. Até hoje, ainda não consegui...
Não há amor como o primeiro...
Natal em Setembro
Capítulo I – Regresso às origens
Olhou novamente para o relógio digital do automóvel: nesse momento, marcava nove horas da manhã, do dia vinte e cinco de Setembro, o que queria dizer que faltavam pouco mais de três horas...
Apesar do mau estado da estrada não estava arrependido por ter cedido ao impulso de fazer aquele desvio.
A decisão tinha sido tomada no momento da assinatura dum vantajoso contracto de fornecimento de café, ao verificar que o dono da empresa era natural de Arnóia. Considerou esse facto como um sinal divino para cumprir uma obrigação que, por um motivo ou outro, tinha sempre adiado.
Não fazia a mínima ideia do que iria encontrar. Esperava ter na aldeia, um local em que pudesse almoçar e convencer alguém a mostrar-lhe a casa onde tinham vivido os seus pais, o seu jazigo e o túmulo de Munio Moniz, o mais ilustre de todos os seus antepassados.
Depois de subir um pequeno outeiro, viu pela primeira vez a aldeia em todo o seu esplendor. Um edifício destacava-se no meio do casario, talvez um antigo mosteiro, junto a uma igreja no centro da praça, rodeada por casas de construção tradicional, em que predominava o granito. No limite poente, distinguia-se um pequeno castelo, com a torre de menagem em ruínas.
Enquanto o seu cérebro absorvia estas informações, começou a suave descida e, ainda mal refeito das emoções contraditórias que o assaltavam leu, incrédulo, num arco cheio de lâmpadas de diversas cores: “A Fundação deseja a todos um Feliz Natal”.
Os arcos com luzes sucediam-se a espaços. As árvores que ladeavam a estrada estavam ponteadas de lâmpadas coloridas e as montras dos estabelecimentos tinham tudo o que é normal apresentar na quadra natalícia.
Chegou ao centro da praça e estacionou o automóvel. Apreciou com espanto o presépio e o gigantesco pinheiro coberto de luzes e bolas coloridas, junto ao pelourinho e coluna da forca. Uma decoração grandiosa, atendendo à dimensão da aldeia. “E única – disse para si próprio. Não te esqueças que estamos a vinte e cinco de Setembro”.
Ao fundo duma rua estreita, divisou um estabelecimento que lhe pareceu um café. Dirigiu-se para lá. Um sorriso suavizou-lhe as faces angulosas ao ler o nome na placa suspensa sobre a porta: “Café – Natal Sempre”.
Quando entrou, as poucas pessoas presentes fizerem silêncio, a olhá-lo, achou, ostensivamente.
-“Bom dia, minha gente!” – saudou em voz alta, caminhando para o balcão.
Ficou com a impressão que todos se levantaram para lhe responder, num coro afinado:
-“Bom dia, senhor!”.
No balcão, um velho, de ombros largos e direitos, cabelos brancos e ralos, mãos enormes a segurar um pano branco, com um sorriso jovial, perguntou:
-“Em que lhe posso ser útil, senhor Moniz?”.
Tentando ocultar o seu espanto, pediu um café.
Relanceou os olhos pela sala. Na parede, por cima da lareira, despertou-lhe a atenção um imponente quadro a óleo, com uma figura que, àquela distância, lhe pareceu familiar.
Aproximou-se. A curiosidade transformou-se em surpresa; em espanto; em assombro. Estava a ver o seu retrato: só que ele nunca usaria umas patilhas tão grandes.
Voltou para o balcão e quis pagar o café.
O ancião torcia nervosamente o pano branco nos dedos finos e compridos.
-“Por amor de Deus, senhor Moniz. Não é nada. Tem de se apressar. O padre Abílio espera-o. A minha empregada vai indicar-lhe o caminho até ao mosteiro”.
Achou que não valia a pena discutir, tal a rapidez e convicção com que foram ditas as frases.
Dirigiram-se para o mosteiro. A empregada ao entrar na sacristia, pediu-lhe para que se sentasse enquanto ela ia chamar o senhor prior.
O padre Abílio era uma figura imponente; um modelo perfeito para El Greco: altíssimo, direito como um pinheiro com a copa formada pelos fartos cabelos brancos, que contrastavam com os olhos negros e expressivos, abertos dum espanto que Sérgio começava a achar normal. Tinha uma voz grave e pausada.
-“O senhor é um Moniz. Vem almoçar?” – mais do que uma pergunta, era uma afirmação.
Sérgio, não resistiu. As palavras saíram rápidas, veementes.
-“Senhor padre, eu não sei nada de almoços, nem porque todo o mundo está ficando feito bobo a olhar para mim, como se vissem fantasma ou santo em carne e osso. Me explica tudo direitinho, por favor!”.
Era tal o desespero patente na sua cara que o padre deixou para depois a satisfação da sua própria curiosidade.
Eis, em resumo, a história que o padre Abílio lhe contou.
Capítulo II – O almoço de Natal
Dom Sertório e Dona Eurídice eram as pessoas mais ricas e bondosas da região. Para a sua felicidade ser completa, apenas faltavam os filhos. Desenganada pelos médicos, Dona Eurídice prometeu ao Menino Jesus que se tivesse um filho, a comemoração do aniversário do seu nascimento seria no dia de Natal, com a presença dos habitantes da aldeia, sendo distribuídos brinquedos e prendas a todas as crianças.
Passado algum tempo, a boa nova correu a aldeia: Dom Sertório Moniz ia ser pai.
E assim foi. Para contentamento de todos, no dia 25 de Setembro, perto do meio-dia, nasceu um robusto rapaz a quem deram o nome de Sérgio.
Esta felicidade não durou muito tempo. No início da Primavera, Dona Eurídice adoeceu. Persistentes dores de cabeça, levaram-na a fazer diversos exames. Os especialistas consultados foram unânimes: tinha um tumor no cérebro que dentro de pouco tempo lhe roubaria a vida. Os primeiros sintomas seriam dificuldades de coordenação motora e uma gradual perda de visão e dos momentos de lucidez.
Quando Dona Eurídice toma consciência do seu estado de saúde, no seu cérebro só havia espaço para um pensamento que era simultaneamente um pesadelo surrealista para Dom Sertório: o receio de não comemorar o primeiro aniversário do seu filho.
Nas longas horas que passava a seu lado, surgiu-lhe uma ideia que, quanto mais pensava nela, mais convencido ficava da sua bondade. Para a sua concretização era indispensável a anuência do prior.
Foi mais fácil do que pensava. Depois de lhe contar o seu plano, o pároco concordou de imediato, fazendo a sugestão de pedir a colaboração dos seus paroquianos na missa de Domingo, a mais frequentada.
Foi passada a palavra. A igreja encheu-se de pessoas ansiosas para saber qual o importante anúncio que ia ser feito durante a missa. Num sermão comovente, o padre pediu a crentes e não crentes, para colaborarem numa missão em que todos ficariam a ganhar e ao mesmo tempo fariam a felicidade de alguém que muito estimavam: a Dona Eurídice que, tudo indicava, deixaria em breve este mundo, por vontade do Altíssimo. Com a assembleia a beber as suas palavras, concluiu:
Aquilo que vos peço é que todos aceitem o convite para um almoço de Natal no dia 25 de Setembro. É indispensável que preparem os vossos filhos para receber os presentes das mãos de Dona Eurídice, como se fossem entregues pelo próprio Menino Jesus. Deus vai perdoar-nos esta pequena mentira. Ámen.
A partir desse dia, começaram os febris preparativos para a grande festa. Dom Sertório não tinha mãos a medir para resolver todos os problemas que surgiam. Quase sem notar, o grande dia chegou.
Nessa manhã, como todos os dias, foi ao hospital, visitar a sua amada esposa. Quando chegou ao quarto, Dona Eurídice ainda dormia tranquilamente, devido aos sedativos que a mantinham numa semi-inconsciência. Ansioso, esperou que ela acordasse naturalmente.
Quando se apercebeu da presença de alguém no quarto, abriu os olhos e, ao vê-lo, um sorriso brincou na sua face cansada. E fez a pergunta:
-“Querido, já é Natal”.
-“Sim querida, hoje é dia de Natal e tenho aqui a tua prenda!”.
Um sorriso iluminou a sua face, o quarto, a aldeia, o mundo.
Ajudou-a a abrir o embrulho.
-“É o vestido que quero que vistas na festa de Natal!”
Quando chegaram ao grande salão engalanado, onde se realizava a festa, os habitantes da aldeia levantaram-se e gritaram num coro desafinado:
-“Feliz Natal! Feliz Natal!”
Dona Eurídice morreu três dias depois, agradecendo a Deus por ter podido cumprir a sua promessa.
Na semana seguinte, Dom Sertório Moniz, assinou a escritura da “Fundação Natal Sempre”, a que doou o Mosteiro e um capital inicial suficiente para cumprir a obrigação de fazer a festa de Natal no dia vinte e cinco de Setembro de cada ano, convidando todos os habitantes da aldeia e fazer a oferta de brinquedos às crianças. Ficava também determinado, que a partir desse ano, seriam concedidas bolsas de estudo a todos os que delas precisassem.
Dom Sertório Dinis morreu de causas nunca esclarecidas. Suicídio ou ataque cardíaco? O que se sabe é que deixou o encargo de criar o filho ao seu único irmão, Afonso. Passado pouco tempo, este vendeu todas as propriedades e emigrou para o Brasil. Desde esse dia, nunca mais houve novas ou mandados da família Moniz.
A Fundação, bem administrada, floresceu e continua a cumprir o objectivo para que foi criada: realizar a festa de Natal no dia vinte e cinco de Setembro.
Ao acabar a sua narração, o prior olhou para o homem que, vergado ao peso de uma imensa dor, chorava convulsivamente.
-“Afinal quem és tu, que tanto sofres?”
-“Sérgio Moniz!”
O velho padre Abílio que o tivera nos braços, recém-nascido, abraçou-o fortemente, juntando as suas lágrimas e o seu riso ao amigo reencontrado. E disse, com a simplicidade do que é sublime:
-“Parabéns, Sérgio! Vamos embora! Já estão à nossa espera para almoçar!”.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
PRENDA DE NATAL
BEIJO Carvão sobre papel Canson - 400 g/m2 (30x30) Trabalhado digitalmente
Quando se pede alguma coisa a alguém, há sempre a hipótese de três respostas: não, sim ou talvez. A She pediu-me uma prenda e eu respondi talvez. A sua impaciência só podia significar uma coisa: o meu talvez, pouco convicente, significou para ela um SIM categórico. De vez em quando, dava por mim a pensar o que iria fazer para resolver o problema. Encontrei a solução mais simples: cumpri uma promessa (?) e ofereço uma prenda para o sapatinho duma amiga. O ponto de interrogação é por não saber se ela vai gostar do desenho. Se não gostar ofereço-o ao amigo/a que primeiro mo pedir.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
FESTAS FELIZES!
Feliz Natal! Aguarela sobre papel (20x22)
Em 2001, fui convidado pelo director do jornal “O Rio”, para escrever regularmente uma crónica sobre um assunto qualquer à minha escolha. Passado o primeiro instante de surpresa resolvi aceitar e foi nessa altura que nasceu “Sem Margens”, o título genérico das minhas crónicas, que eram sempre acompanhadas por uma ilustração. Até 2005, ano em que iniciei a publicação do cartoon “Gaivo e Gaiva”, um casal de gaivotas, que aparecia a comentar os acontecimentos mais relevantes, mantive a sua publicação.
Nesse primeiro ano, escrevi um conto de Natal e foi esta a aguarela que o ilustrou.
Pelo seu simbolismo, pareceu-me a melhor maneira de desejar a todos
Festas Felizes!
sábado, 15 de dezembro de 2007
CONSUMISMO NO NATAL
Centro Comercial Acrílico sobre tela (80x100)
No momento que comecei a escrever estas palavras faltavam 8 dias, 15 horas, 02 minutos e 4 segundos, para o Natal! Sei isto, porque tenho no computador um relógio enviado por um amigo, que está a fazer a sua contagem decrescente.
Em Portugal, o comércio em geral irá facturar montantes aproximados ao total dos restantes onze meses do ano.
Todas as novidades aparecem nesta altura e as campanhas publicitárias são tão arrasadoras que não dão tréguas em nenhum sector da nossa sociedade. Esta data, agrava a tendência para fazermos as coisas como autómatos. Alguém anda a programar a nossa vida sem nos dizer nada: vamos para o trabalho à mesma hora, comemos e dormimos ao mesmo tempo. E agora, aquilo que nos interessa, fazemos as compras no mesmo mês do ano, com tendência para ser na mesma semana e, com o passar do tempo, no mesmo dia: o último...
A Teoria da Evolução, de Darwin, afirma que as espécies animais existentes na Terra, sofrem ao longo das gerações, uma modificação gradual que põe em evidência a selecção natural. Na luta pela sobrevivência, os mais bem adaptados são os que deixam mais descendentes.
Um Centro Comercial, no Natal, ou na altura dos saldos, é um espaço cheio de cor, de luzes berrantes, de homens e crianças berrantes, distribuido por diversos pisos, em que as pessoas se atropelam para chegar primeiro, chegar mais alto, lá no cimo da prateleira, onde está aquele brinquedo que ainda ninguém viu, onde está aquela folha verde, jovem, tenrinha e suculenta, a que só a girafa com o seu pescoço imenso poderá chegar...
Da conjugação destes dois conceitos tão diferentes, Centro Comercial e Teoria de Darwin, nasceu esta obra. Espero que gostem dela, porque apesar de tudo,
EU ADORO O NATAL!
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
CHEGADA A LISBOA
Cacilheiro Óleo sobre tela (75x100)
Esta tela foi feita especialmente para uma exposição que fazia parte de um programa de humanização dos hospitais, nas relações com os seus utentes. Pretendia o seu director com a realização de diversas exposições nos locais mais frequentados, levar um pouco de alegria àqueles que aparentemente não teriam muitos motivos para se sentirem felizes.
O hospital foi o Garcia de Orta em Almada, cidade que fica em frente a Lisboa, na margem esquerda do Tejo. As telas que apresentei mostravam Almada, ou Lisboa vista de um ângulo pouco habitual: as imagens foram todas captadas de barcos da carreira Barreiro – Lisboa, ou Cacilhas – Lisboa. Estes barcos são chamados cacilheiros... É a bordo de um destes barcos que está o casal, completamente alheio à beleza do casario de Lisboa...
Esta obra ficou a fazer parte do espólio do Hospital... Nunca mais a vi, não sei em que gabinete ou corredor estará...
Fica um pedido e um conselho para o nosso amigo Jorge: gostava que me contasses um dia a história deste jovem casal... O conselho é: quando vieres a Lisboa não percas a travessia do Tejo no cacilheiro, para ir comer a caldeirada ao “Ginjal”. Eu convido-te...
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
TODA A VERDADE
Nos comentários foram feitas algumas perguntas a que esta minha resposta poderá tirar dúvidas. Surge aqui, porque me parece ser de interesse geral, agora que o problema do Kosovo está na ordem do dia.
Estive na Jugoslávia em 1989. Durante quinze dias percorri a costa Adriática,desde Dubrovnik até Belgrado, passando por Split e Sarajevo... Fiquei maravilhado com a sua beleza natural, a sua diversidade cultural e religiosa, e preocupado com o que iria acontecer, depois de diluída na memória dos povos a figura de Tito, que apesar de ter morrido em 1980, era a única personalidade que conseguia manter enterradas as lembranças de guerras passadas, e aceitáveis as desigualdades visíveis entre Sérvios, o grupo étnico mais importante, os Croatas, de maioria católica, os Eslovenos, os Montenegrinos... Este país, era uma federação de seis repúblicas e três regiões autónomas, entre as quais o Kosovo, com quase dois milhões de albaneses. Com o decorrer do tempo, a unidade do país começa a degradar-se e as diversas repúblicas começam a proclamar a independência: Eslovénia, Croácia e Macedónia em 1991, Bósnia em 1992. Com guerras entre eles, com a ONU a expulsar, a Nato a bombardear, a CE a sancionar...
E eu, e o grupo de amigos que tínhamos estado na Jugoslávia, que fazíamos dessa viagem de sonho uma das mais maravilhosas da nossa vida,ficávamos atónitos e revoltados por vermos locais paradisíacos, únicos, a serem bombardeados, pessoas (que será feito de Andres, guia doutorado em turismo, que falava fluentemente dez línguas, que nos acompanhou e nos explicou tão bem a diversidade de povos e religiões, ele que acreditava no futuro da Jugoslávia - que será feito dele? Perguntávamos –que foi feito dele? Perguntamos, ainda) a serem trucidadas, enterradas em valas comuns...
...e o Tribunal Penal Internacional a julgar a partir de 1993. A mostrar fotografias das atrocidades cometidas...
As personagens dessa tela, eram pessoas que eu podia ter conhecido...
Mesmo que não me tenha cruzado com elas, ouvi os seus gritos...
Este foi o meu... não foi ouvido... e ainda há o Kosovo...
Estive a escrever estas palavras e a ouvir no YouTube, Miss Sarajevo dos U2 - Pavarotti & Friends. Não ficou ao alcance de um clic porque ainda não sei fazer isso com segurança e tinha medo de perder todo o que tinha escrito...
Estive na Jugoslávia em 1989. Durante quinze dias percorri a costa Adriática,desde Dubrovnik até Belgrado, passando por Split e Sarajevo... Fiquei maravilhado com a sua beleza natural, a sua diversidade cultural e religiosa, e preocupado com o que iria acontecer, depois de diluída na memória dos povos a figura de Tito, que apesar de ter morrido em 1980, era a única personalidade que conseguia manter enterradas as lembranças de guerras passadas, e aceitáveis as desigualdades visíveis entre Sérvios, o grupo étnico mais importante, os Croatas, de maioria católica, os Eslovenos, os Montenegrinos... Este país, era uma federação de seis repúblicas e três regiões autónomas, entre as quais o Kosovo, com quase dois milhões de albaneses. Com o decorrer do tempo, a unidade do país começa a degradar-se e as diversas repúblicas começam a proclamar a independência: Eslovénia, Croácia e Macedónia em 1991, Bósnia em 1992. Com guerras entre eles, com a ONU a expulsar, a Nato a bombardear, a CE a sancionar...
E eu, e o grupo de amigos que tínhamos estado na Jugoslávia, que fazíamos dessa viagem de sonho uma das mais maravilhosas da nossa vida,ficávamos atónitos e revoltados por vermos locais paradisíacos, únicos, a serem bombardeados, pessoas (que será feito de Andres, guia doutorado em turismo, que falava fluentemente dez línguas, que nos acompanhou e nos explicou tão bem a diversidade de povos e religiões, ele que acreditava no futuro da Jugoslávia - que será feito dele? Perguntávamos –que foi feito dele? Perguntamos, ainda) a serem trucidadas, enterradas em valas comuns...
...e o Tribunal Penal Internacional a julgar a partir de 1993. A mostrar fotografias das atrocidades cometidas...
As personagens dessa tela, eram pessoas que eu podia ter conhecido...
Mesmo que não me tenha cruzado com elas, ouvi os seus gritos...
Este foi o meu... não foi ouvido... e ainda há o Kosovo...
Estive a escrever estas palavras e a ouvir no YouTube, Miss Sarajevo dos U2 - Pavarotti & Friends. Não ficou ao alcance de um clic porque ainda não sei fazer isso com segurança e tinha medo de perder todo o que tinha escrito...
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
NÃO INDICADO A PESSOAS SENSÍVEIS
Clicar sobre a fotografia
Cemitério ao luar Óleo sobre tela (50x30)
Na peça que apresentei em Outubro, Baixa-mar, faltou dizer que fiz um trabalho preparatório, que tinha resolvido não mostrar, porque mais uma vez, o esboço não tem nada a ver com o resultado.
Graças a um programa de que tomei conhecimento no blog da amiga Sibyla, mudei de opinião. O resultado, está aí para vossa apreciação.
domingo, 9 de dezembro de 2007
(E)TERNA SEDUÇÃO
VÉNUS Óleo sobre tela (100x100)
“A sedução é um dom: como o da poesia.
Também tem muito a ver com a música.
A pintura e a própria escultura vêm depois.”
“A sedução é um dom: como o da poesia.
Também tem muito a ver com a música.
A pintura e a própria escultura vêm depois.”
David Mourão-Ferreira
Escrevi as seguintes palavras, para apresentação desta exposição:
Mães, anjos, mártires, deusas, rainhas, é infindável a galeria de mulheres que seduziram e inspiraram os artistas ao longo dos tempos.
As dez obras desta exposição, com diversas técnicas e suportes, têm em comum um audacioso cromatismo, vivo e sensual, pleno de exuberância: um hino à alegria de viver.
Os modelos são banhados por uma luz forte, com cores vivas e quentes, que, se em alguns casos, quase os ocultam, serve sempre para evidenciar a sua beleza e sensualidade.
Com o pincel ou com a espátula, os traços vigorosos, plenos de matéria, afagam os corpos nus numa carícia que se transmite em reflexos de luz que traduzem os sentimentos poéticos do seu criador e nos fazem sonhar com um mundo melhor, mais harmonioso, mais sedutor.
Escrevi as seguintes palavras, para apresentação desta exposição:
Mães, anjos, mártires, deusas, rainhas, é infindável a galeria de mulheres que seduziram e inspiraram os artistas ao longo dos tempos.
As dez obras desta exposição, com diversas técnicas e suportes, têm em comum um audacioso cromatismo, vivo e sensual, pleno de exuberância: um hino à alegria de viver.
Os modelos são banhados por uma luz forte, com cores vivas e quentes, que, se em alguns casos, quase os ocultam, serve sempre para evidenciar a sua beleza e sensualidade.
Com o pincel ou com a espátula, os traços vigorosos, plenos de matéria, afagam os corpos nus numa carícia que se transmite em reflexos de luz que traduzem os sentimentos poéticos do seu criador e nos fazem sonhar com um mundo melhor, mais harmonioso, mais sedutor.
Calceteiro ou escultor?
Na inauguração desta exposição, como em qualquer outra, depois dos primeiros momentos em que as obras expostas são a atracção, a atenção dos visitantes dispersa-se com os aperitivos e as bebidas. Começam a formar-se pequenos grupos de pessoas com afinidades, amigos que não se viam há algum tempo trocam impressões, o repórter vai saltitando por entre os grupinhos tentando captar algo de interessante para a sua reportagem.
Eu formava um desses grupos restritos com dois ou três amigos numa conversa sobre nada. Um deles, numa maneira casual, pergunta-me:
- Então, que trabalho tens entre mãos?
- Uma pergunta muito pertinente– respondi, mostrando-lhe as mãos com alguns calos recém formados. Agora, estou a fazer calçada portuguesa.
- Não acredito!
- Verdade! Eu tinha, não sei se te lembras, um espaço em frente da minha casa que devia ser relvado. Infelizmente o raio da relva não resistia às ervas daninhas. Um dia, fui dar uma volta à zona ribeirinha da Moita e reparei que o pessoal dos serviços camarários estava a calcetar o espaço que circunda o edifício da Câmara. Estive a observar os procedimentos técnicos, os materiais, conversei com alguns operários, tirando notas de alguns pormenores que considerei mais importantes e, cereja no cimo do bolo, fiquei com o nome dos melhores fornecedores de materiais. Pensei que era a solução certa para resolver os meus dois problemas de uma vez só: Acabar com as ervas e tornar o espaço agradável. É isso que estou a fazer.
- Com que então, agora é calceteiro? – gritou o repórter mesmo atrás de mim.
Fiquei em pânico. Estava já a ver como título da reportagem: ”Pintor em apuros aceita trabalho de calceteiro”.
Lembrei-me então que a melhor defesa é o ataque:
- Calceteiro, eu? Não! Escultor!
Ficou de boca aberta, siderado pelo vigor da minha resposta.
Facto é, que não perguntou mais nada, e a reportagem salientou apenas os aspectos mais interessantes da exposição. Até hoje, ainda não lhe perdoei ter-se esquecido de mencionar os meus trabalhos de escultor.
Que frustração!
Na inauguração desta exposição, como em qualquer outra, depois dos primeiros momentos em que as obras expostas são a atracção, a atenção dos visitantes dispersa-se com os aperitivos e as bebidas. Começam a formar-se pequenos grupos de pessoas com afinidades, amigos que não se viam há algum tempo trocam impressões, o repórter vai saltitando por entre os grupinhos tentando captar algo de interessante para a sua reportagem.
Eu formava um desses grupos restritos com dois ou três amigos numa conversa sobre nada. Um deles, numa maneira casual, pergunta-me:
- Então, que trabalho tens entre mãos?
- Uma pergunta muito pertinente– respondi, mostrando-lhe as mãos com alguns calos recém formados. Agora, estou a fazer calçada portuguesa.
- Não acredito!
- Verdade! Eu tinha, não sei se te lembras, um espaço em frente da minha casa que devia ser relvado. Infelizmente o raio da relva não resistia às ervas daninhas. Um dia, fui dar uma volta à zona ribeirinha da Moita e reparei que o pessoal dos serviços camarários estava a calcetar o espaço que circunda o edifício da Câmara. Estive a observar os procedimentos técnicos, os materiais, conversei com alguns operários, tirando notas de alguns pormenores que considerei mais importantes e, cereja no cimo do bolo, fiquei com o nome dos melhores fornecedores de materiais. Pensei que era a solução certa para resolver os meus dois problemas de uma vez só: Acabar com as ervas e tornar o espaço agradável. É isso que estou a fazer.
- Com que então, agora é calceteiro? – gritou o repórter mesmo atrás de mim.
Fiquei em pânico. Estava já a ver como título da reportagem: ”Pintor em apuros aceita trabalho de calceteiro”.
Lembrei-me então que a melhor defesa é o ataque:
- Calceteiro, eu? Não! Escultor!
Ficou de boca aberta, siderado pelo vigor da minha resposta.
Facto é, que não perguntou mais nada, e a reportagem salientou apenas os aspectos mais interessantes da exposição. Até hoje, ainda não lhe perdoei ter-se esquecido de mencionar os meus trabalhos de escultor.
Que frustração!
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
...DE COMO EU COLABOREI NO SALVAMENTO DE UMA FOCA-BEBÉ...
Foca-bebé tinta da china sobre papel (56x44)
Este trabalho, de 1998, resultou do apelo de uma câmara Municipal, aos artistas do Concelho, para colaborarem numa daquelas campanhas contra o massacre, especialmente repugnante, das focas-bebé. Continua actual, porque em 2006 foram alcançados números impressionantes: 355.000 focas mortas!
Eu fui atingido pelo problema num daqueles tele-jornais especialmente realizados por Cronenberg para a hora de jantar, em que se mostrava homens a matar aquelas coisinhas fofas com um bastão de basebol! Sem comentários. Adiante...
Quando tinha o trabalho quase concluído a minha filhota Elsa passou no estúdio para ver o que eu estava a fazer. Adorou, claro (é filha), e então eu disse-lhe que faltava pôr o sangue que inundava aquela água... Olhou para mim incrédula! Quando compreendeu que eu estava a falar a sério tirou-me o desenho, que ficou sujo, não de sangue, mas de duas lágrimas que lhe correram pela face...
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
ANO I d.W. (depois Web)
Pormenores de WEB
Tive de fazer uma hibernação! Foi necessária para consolidar no disco rígido da minha memória, os acontecimentos que marcaram o dia 5 de Dezembro de 2007.
Já recomposto, aqui estou para recomeçar o convívio, com todos os meus amigos. Depois de analisar as mensagens que recebi, cheguei à conclusão que não conseguiria responder dignamente a todas. Como sinal de agradecimento, mostro alguns pormenores, da grande culpada de tudo o que aconteceu – WEB.
Ah! Já me esquecia! Peço desculpa a alguns amigos (não digo quais:) que foram enganados pelo champanhe doce e não se aperceberam do seu teor alcoólico...
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
WEB
WEB - Acrílico sobre tela (70x70)
WEB
Ars longa, Vita brevis (A Arte é longa, a Vida é breve).
O primeiro aforismo de Hipócrates parece feito de propósito para esta situação: a perenidade da obra de Arte, em oposição à brevidade da vida humana.
Com o perigo de esgotar o meu latim, não resisto a citar o verso final de Virgílio, que nos avisa que o tempo passa e não volta mais, e que é demasiado precioso para o desperdiçarmos em futilidades:
Fugit irreparabile tempus!
São duas verdades de que eu cada vez mais tenho consciência, talvez devido à minha já provecta idade. É por isso que valorizo cada momento que vivo, como se fosse o último! Neste exacto instante, sou feliz: ergo a minha taça virtual cheia dum champanhe simbólico, que contém o elixir do amor e amizade de todos os que contribuíram para este happening. A todos, o meu muito obrigado!
Hip! Hip! Hurra!!!
Ars longa, Vita brevis (A Arte é longa, a Vida é breve).
O primeiro aforismo de Hipócrates parece feito de propósito para esta situação: a perenidade da obra de Arte, em oposição à brevidade da vida humana.
Com o perigo de esgotar o meu latim, não resisto a citar o verso final de Virgílio, que nos avisa que o tempo passa e não volta mais, e que é demasiado precioso para o desperdiçarmos em futilidades:
Fugit irreparabile tempus!
São duas verdades de que eu cada vez mais tenho consciência, talvez devido à minha já provecta idade. É por isso que valorizo cada momento que vivo, como se fosse o último! Neste exacto instante, sou feliz: ergo a minha taça virtual cheia dum champanhe simbólico, que contém o elixir do amor e amizade de todos os que contribuíram para este happening. A todos, o meu muito obrigado!
Hip! Hip! Hurra!!!
domingo, 2 de dezembro de 2007
VERNISSAGE
C o n v i t e
António Tapadinhas e sua Família, têm a honra de convidar os seus
amigos, para a inauguração da exposição da sua mais recente obra, WEB, que
terá lugar no dia 5 de Dezembro, pelas 09 horas da manhã, na sua residência
virtual. A apresentação desta obra coincide com o aniversário do seu criador.
Solicitamos a confirmação da sua presença para cantar os parabéns,
comer uma fatia de bolo e beber uma taça de champanhe.António Tapadinhas e sua Família, têm a honra de convidar os seus
amigos, para a inauguração da exposição da sua mais recente obra, WEB, que
terá lugar no dia 5 de Dezembro, pelas 09 horas da manhã, na sua residência
virtual. A apresentação desta obra coincide com o aniversário do seu criador.
Solicitamos a confirmação da sua presença para cantar os parabéns,
Como nasceu a WEB...
“WEB– é o nome que escolhi para a obra.”...
“Considerei a parte central da tela, como a representação da rede e eu não queria ser um mero observador. Queria estar integrado, sentir-me como um seu componente, mais do que um criador distante. Assim pensei na água como o elemento certo para reflectir todos e cada um dos impulsos que me foram dados pelos meus amigos.”...
“Estão lá as sete divisões verticais da tela, dez centímetros reservados para o céu (vão caber lá todos:), vinte centímetros para a água (ninguém se vai afogar!), espaço suficiente para traduzir em todos os seus cambiantes, este elemento vital.”...
“Hoje, perante a tela branca, ao pensar nos amigos a quem dediquei esta obra, não consegui manter a sobriedade. A emoção foi mais forte que a razão...Quis traduzir com a exuberância das cores, tudo o que imagino, sinto, pelos locais e pessoas que os habitam. Nos pormenores que mostro, ainda pouco nítidos, já os vejo todos...”
Para terem uma ideia de como vai ficar, lá está a WEB, envergonhada, a poucos dias da sua apresentação ao grande público.
Para mim, é um lugar nobre da casa, caloroso (está por cima da lareira :), foco de atenções de todos os que frequentam a minha casa.Como disse, será aqui que cortarei o bolo de anos (se cantarem bem os parabéns a você), e beberemos uma taça de champanhe à saúde de todos os amigos...
Este é o ângulo de visão que eu tenho quando me sento no sofá do salão de minha casa. Das quatro obras que aparecem na fotografia só vos apresentei “A grande caminhada”. Uma falta de delicadeza que eu espero me perdoem...
A partir do próximo dia 5 de Dezembro, “A grande caminhada”, depois de ter cumprido a sua nobre missão, vai alegrar outro local, para dar lugar à sua digna sucessora, WEB.
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