segunda-feira, 1 de outubro de 2007

UM MUNDO DE CERTEZAS

UM MUNDO DE CERTEZAS

Acordei com o chilrear das diversas gerações de pardais que, sem minha licença, paulatinamente, ocuparam o sótão de minha casa.
A minha saída, só foi notada por King, o Serra da Estrela que, bem educado, me ladrou o seu bom-dia.
Dirigi-me ao quiosque, onde comprei o jornal.
Pouco depois, entrava no café.
Não foi preciso pedir nada. Passados alguns instantes, tinha na mesa o bule com o chá preto e a meia torrada de pão caseiro.
Todos estes movimentos complicados, foram feitos sem hesitações, com simplicidade, quase maquinalmente.
É tão cómodo ter certezas!
Aterroriza-me a possibilidade de ficar indeciso, perante qualquer situação imprevista. Tomar uma decisão, apavora-me. Perco o tempo, que não tenho, para fazer o que quero e para o qual o resto da minha vida não vai chegar. Ao ocupar o cérebro com a resolução de pequenos problemas, corre-se o risco de esquecer o que é fundamental.
Aquilo que alguns podem admirar como segurança de atitudes ou opiniões, não passa de uma defesa à minha recente incapacidade de tomar decisões. Para ser mais correcto, digamos que fiz uma troca - fico afectado na aptidão de decidir, logo aumento a minha gama de certezas. Até aí, para além da existência de Deus, só tinha uma certeza: o Benfica é o melhor do Mundo.
Quando me levanto da mesa, já tenho na mão o dinheiro certo. É um estratagema que evita ao dono do café o problema de fazer contas, de introduzir dois preços numa máquina de calcular protegida por um plástico, com teclas minúsculas como lentes de contacto, difíceis de premir uma de cada vez, pelos dedos de um adulto normal e ainda mais por qualquer das suas cinco salsichas alemãs, por muito que ele tente afiá-las, introduzindo-as em orifícios pequenos, como as fossas nasais ou os buraquinhos dos ouvidos.
No regresso, antecipo, com prazer, as manifestações de alegria na minha chegada a casa.
É bom ter a certeza do amor de alguém. Mas o melhor é gozar a demonstração desse sentimento, sempre que voltamos, passados cinco minutes, cinco horas, cinco dias... Sem queixas, porque o dia correu mal no trabalho, ou por causa da chuva, ou porque um familiar está doente, ou porque o buraco do ozono continua a aumentar. Sem reservas. Chegaste. Estamos aqui para provar que te adoramos. Lambemos as tuas mãos, cheiramos as tuas calças, damos patadas a pedir festas, se possível atrás das orelhas. Ladramos de alegria para avisar toda a gente que chegou o melhor dono do Mundo.
Entro em casa, limpo de todos os germes apanhados na minha viagem ao exterior, desinfectado por este banho de amor, como um astronauta, ao reentrar na Terra, depois de passar pelas câmaras de esterilização.
Imagine um mundo em que todos tivessem esta capacidade de amar, sem reservas, sem perguntas…
Amar porque sim, ponto final!

2 comentários:

philos disse...

Seria lindo concerteza, esse amor puro e incondicional!

Desabafosescritos disse...

Ao ler o que escreveu, pensei numa coisa que costumo dizer: que as pessoas que não duvidam de nós, do nosso carácter, haja o que houver, faça-se o que se fizer, não têm preço. E são raras,digo eu. Isto também tem a ver com esse amor incondicinal.
Quanto ao Benfica. É verdade, essa sim, é uma paixão incondicional.
Quanto às minhas escolhas, considero-as efémeras... porque talvez possam mudar...
Parabéns pelos desenhos e pelas pinturas!
Cumprimentos,