quarta-feira, 19 de março de 2008

SENHOR JESUS DAS CHAGAS




Procissão Senhor Jesus das Chagas
Óleo sobre tela 80X70cm

Procissão
Recebi a chamada de uma amiga que me pediu para colaborar na angariação de fundos, para a Misericórdia do Barreiro. A sua ideia era organizar, com quadros doados por um vasto leque de artistas, uma exposição de pintura com uma característica especial: Todos os quadros teriam o mesmo preço, independentemente do seu valor comercial, ou da notoriedade do pintor. Concordei com o pedido e acertei a data da entrega.
Seleccionar uma obra para doação é menos complicado do que avaliar professores...
Quando percorri mentalmente as que tinha em casa e que eu considerava concluídas, lembrei-me, quase de imediato, da solução perfeita para o problema: Tinha recentemente dado por acabado um trabalho que tomou conta de mim, seguindo um caminho que eu nunca tinha imaginado. Passo a contar:
Num belo Domingo de Abril, acho que foi a 16, data do meu casamento, fui com a família às tradicionais festas de Sesimbra.
Era dia de procissão e quando passou o andor com a imagem do Senhor Jesus das Chagas, fiquei impressionado: A imagem do Senhor, de alguma maneira falou comigo. Não era minha intenção mas acompanhei durante algum tempo a procissão, para tirar fotografias.
Quando finalmente tive as fotos em meu poder, o maior problema foi seleccionar aquela que seria melhor para a tela que tinha projectado. Depois de um sem número de esboços acabei por me decidir por uma que cumpria algumas das premissas que tinha imposto: Cristo não podia olhar de frente, porque os olhos das imagens não têm beleza, mas tinha de estar em primeiro plano. Queria dar nota do envolvimento da multidão de devotos e das forças vivas que acompanham estas cerimónias. Feita a escolha, pus mãos à obra.
Não tive qualquer espécie de problema com o esboço que fiz. Tinha na minha memória, nítidas, as cores que queria plasmar na tela. Mas... as cores do Cristo na imagem, ficavam mortas, como as dos bonecos de barro, e eu não gostava do que via... A pouco e pouco, fui trazendo vida à imagem com as cores da carne palpitante e do
“sangue a gorgolejar das artérias abertas
pressuroso e vivo
como vermelhas minhocas despertas...”
Tanto realismo colocou Jesus de castigo no meu estúdio: Na minha casa todos ficavam impressionados com o Cristo sofredor e cabisbaixo... – Outra vez – pensei. Esta imagem, do século XVI, segundo a lenda, foi lançada ao mar pela mulher de Henrique VIII, quando da revolta dos anglicanos contra o papado, e recuperada perto do Cabo Espichel. Obra sobre um tema religioso, que não tinha grande futuro na minha casa.
Solução perfeita para uma oferta à Misericórdia, não acham?
No dia da inauguração da exposição, quando comecei a dar a volta para ver os quadros expostos, ao chegar ao meu, já tinha o sinal de vendido. Durante o beberete, a minha amiga apresentou-me a senhora que comprara a obra e que queria falar comigo. Depois das banalidades sociais da ocasião, a senhora disse-me:
– Quando entrei, vi imediatamente o Senhor Jesus das Chagas, de que sou muito devota. A expressão que lhe deu, apesar da sua situação, não revela sofrimento e traz-me muita paz e conforto. É por isso que o quero na minha casa – disse-me, com os olhos a brilhar.
A tristeza e o sofrimento do Senhor Jesus das Chagas, no meu lar, transformou-se, por milagre, em paz e conforto, na casa da devota senhora.

Feliz Páscoa para Todos!

25 comentários:

Isabel disse...

Feliz Pascua, Antonio, y conmovedora la historia de tu cuadro. Vale la pena el arte cuando es capaz de tantas buenas cosas. Besos. http://senderosintrincados.blogspot.com

Fernanda Irene disse...

Para que veas, António: "nada es verdad ni es mentira; todo es del color del cristal con que se mira".

Nunca me ha gustado la Semana Santa. Cuando eras solamente una niñita de 5 o 6 años las monjas del colegio nos torturaban contándonos por estas fechas la Pasión de Cristo, los azotes, la corona de espinas que le hacía sangrar, los clavos en manos y pies clavados a golpe de martillo, la esponja mojada en hiel y la lanza en el costado. No paraban de relatar hasta que no nos veían llorar a moco tendido ¡qué crueldad! Afortunadamente las cosas han cambiado, cuando mi tercer hijo estaba en preescolar su profesora se negaba a conmemorar en clase la Semana Santa alegando que, si apenas unos meses atrás habían celebrado el nacimiento de Cristo, no le daba la gana matarlo tan pronto. Ni que decir tiene que le di toda la razón.

Beijo

Irene

Flavio Ferrari disse...

É isso que me encanta na arte: a sua independência.

Anne M. Moor disse...

É fantástico como cada um faz uma leitura diferente da mesma obra. Eu vejo sim sofrimento neste teu quadro... Mas que bom que ela trouxe paz para alguém...
Como sempre, os detalhes dos teus quadros me impressionam por, ao mesmo tempo de serem detalhes, não se destacarem como coisas individuais mas constróem o todo...
Mestre da pintura...
Beijos impressionados :-)

Nocturna disse...

Jajaja!
¡Comparto la opinión de Irene!
Hay que hacer feliz la infancia de los niños y preservarla de dolores innecesarios.
:)

Qué cosa más extraña que un cuadro de torturas, le traiga paz a una devota, no?

:(

Sin embargo, António... tu pincel no provoca heridas, ni aún pintándolas, dulce amigo.


¡Besos!

:)

(:

A.Tapadinhas disse...

Isabel: Muitas vezes, está nos artistas e nos loucos, a denúncia das coisas más, das quais nem sequer temos consciência... e só por isso, já vale a pena...
Beijo.
António

A.Tapadinhas disse...

Irene: Cada vez que vejo um filme ou leio um livro sobre a Idade Média (Dark Ages), fico com os cabelos em pé: como é possível fazer tanto mal, vomitando bem... O que me causa preocupação é a ideia que foi noutro tempo e que será irrepetível... Será mesmo? Não haverá maneiras mais sofistificadas e insidiosas de manter esse hediondo espírito?
Temos de continuar vigilantes...
Beijo.
António

A.Tapadinhas disse...

Flavio: Em Arte a regra é a sua falta, para desespero dos críticos... e dos governos. Daí a sua independência...
Abraço.
António

A.Tapadinhas disse...

Anne: Pior do que não despertar emoções, positivas ou negativas, é a perfeita indiferença... desde que não seja o único leitmotiv da obra despertar os demónios que existem no Homem. Uma série de pormenores, não fazem um "pormaior": é preciso não perder a visão de conjunto, como tu, muito bem, salientas...
Por exemplo: um beijo nunca será um pormenor...
Beijo! :)
António

A.Tapadinhas disse...

Danhir: Não acredito em acasos! Tudo o que nos acontece tem um determinado propósito, mesmo que não consigamos entender patavina do mundo louco em que vivemos. Escapava-me a razão que me levou a representar Cristo numa tela... até que esse meu acto contribuiu para a felicidade de alguém...
Beijo.
António

Anónimo disse...

Feliz pascoa, eu gostei do teu cuadro e nao sou nada religiosa.
Felis semana. beijos
anamorgana

Anne M. Moor disse...

E esses demônios as vezes são difíceis de controlar :-)
Beijo endiabrado :-)

paper-life disse...

Feliz Páscoa!

Ainda que não tenha nunca visitado essa terra de lenda, muitas histórias comoventes ouvi a um primo meu de lá.

Junto-lhe a tua. Obrigada. :)

Manuel Amaro disse...

Feliz Páscoa para ti, amigo.
Abraço.
Manuel.

A.Tapadinhas disse...

Anamorgana: É um grande elogio o que me fizeste... A minha tela também é um pouco isso: não sou religioso, da maneira vulgar como se entende a religiosidade, mas deu-me prazer tratar este tema...
Beijo com amêndoas.
António

A.Tapadinhas disse...

Anne: Mais difíceis de controlar são os demónios com cara de anjo...
Beijo demoníaco.
António

A.Tapadinhas disse...

Barqueira: O Cabo Espichel e a sua envolvência é muito inspirador para quem saiba captar as suas ondas espirituais. Daí à lenda é um passo...
Beijo espiritual.
António

A.Tapadinhas disse...

Manuel Amaro: Também para ti amigo.

Abraço.
António

Anne M. Moor disse...

António:
:-) :-) :-)

FELIZ PÁSCOA! Que a passes bem feliz com a tua família.

Beijos

Anne M. Moor disse...

Dá um pulinho lá no Life... Living...
Abraço

A.Tapadinhas disse...

Anne: Já lá fui e, não resisti, já deixei o comentário. Muito obrigado, menina: você é especial.
Beijo.
António

Anne M. Moor disse...

António:
Já podes postar no Prozac... Esperamo-te por lá também...
Beijos :-)

Estudo Geral disse...

De tanto sentir a dor
de Nosso Senhor Jesus
nem reparou que era Ela
que estava posta na cruz

Abraço do Luis,
e muitas Páscoas das Boas

tino cassi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jorge disse...

Me encanta lo de la profesora del hijo de Fermina.
Ya sabes lo mucho que me gusta cuando cuentas como eliges tema, enfoque y colores.
Nunca he entendido a las beatas.