segunda-feira, 10 de março de 2008

EM ROMA, SÊ ROMANO




Mercado Jemaã El FnaTinta da China sobre papel 20x25
Sempre que visito um país, tiro apontamentos sobre os aspectos que mais me impressionam. Na minha terceira visita a Marrocos, fui finalmente a Marraquexe, a porta do deserto, e à praça que é o centro do mundo.

Em Roma, sê romano!
Parecia estar a atender o chamamento do muezim para a oração da noite: nesse momento estava a fechar a porta do quarto, onde deixara as malas, ansioso por sair dos portões do Club Med, que me isolava do mundo fervilhante de Marraquexe apenas entrevisto na pequena viagem de autocarro.
Antes de chegar à rua, já a cidade nos impõe o seu sortilégio: o barulho denso dos automóveis e motorizadas, e o bater ritmado dos cascos dos cavalos no asfalto martelam-nos os ouvidos; os cheiros dos gases de óleo e gasolina queimados, misturados com o odor mais consistente dos animais invadem-nos as narinas.
Na rua, a visão é do caos com uma só ordem: a desordem. Na avenida, larga como um campo de futebol sem marcações, circulam carruagens puxadas por parelhas de cavalos, carroças puxadas por burros, táxis, autocarros, motorizadas, bicicletas, todos a tentar fazer a ultrapassagem do vizinho da frente. Nesta competição, nem sempre ganha o mais forte: o automóvel mais moderno, arrisca-se a todo o momento a ser ultrapassado por um burro esperto, que consegue passar a carroça entre o intervalo dos carros. Nos poucos sinais que existem, quando cai o vermelho, os que estão na frente param - é esse o seu mal. Os que vêm atrás aproveitam e vão-se colocando sucessivamente à frente do que já parou. Os que estão junto ao sinal vêem aparecer o verde e reagem primeiro: ganham assim uns lugares na partida, ficando a corrida relançada, com hipóteses de vitória para todos.
Depois de andar algumas dezenas de metros, a confusão parece aumentar. Nós, peões, já não temos passeios e os motoristas parecem ter enlouquecido: não há rua, nem sentido de trânsito. Estamos na praça Jemaã El Fna, com superfície semelhante ao Terreiro do Paço, onde desaguam Tejos de ruas estreitas, de carros e pessoas.
Num dos lados, há uma muralha de tendas de comida, autêntica paleta de cores quentes: açafrão, caril, malaguetas, pimentos. Mais para o centro, a multidão ornamenta a praça em canteiros circulares de homens, que apreciam o trabalho dos ginastas em jogos de forças combinadas; alguns ouvem grupos musicais que tocam música tradicional, constituidos por um violino e dois ou três tambores; outros preferem rir-se das habilidades dos macacos amestrados a imitar pessoas; outros escutam, atentamente, alguém que diz não sei o quê, com grande convicção e energia; outros, ainda, gostam do terror atávico causado pelas serpentes que parecem dançar ao som do pífaro do seu encantador. Por entre os grupos andam homens de fatos encarnados e verdes, com pratos de metal amarelo, grandes chapéus na cabeça, a tocar em pequenos tambores, que oferecem a sua beleza para figurar numa fotografia, a troco de algumas moedas. Outros arranjaram uma estratégia mais simples para ganhar dinheiro: tocam um tamborzito, fazem uma careta e, se nem sempre provocam um sorriso, quase sempre arrancam uma moeda.
Metade da praça é disputada, a palmo, por peões, que tentam passar na terra de ninguém que a qualquer momento pode ser atravessada por um veículo vindo de qualquer ponto cardeal.
Estranhamente, não se ouve buzinar os automóveis: talvez o barulho dos motores, o bruá da multidão, os guinchos dos animais, o toque dos tambores, o silvar das serpentes, não o deixem ouvir, ou, com maior probalidade, o nosso cérebro se recuse a registar esse som, por mais habitual, dando prioridade a tudo o que é novo: cheiros, línguas, cores, gente, animais.
É difícil (impossível, direi), ser apenas espectador: logo que olhamos para alguma coisa, o vendedor atento, pergunta-nos a nacionalidade, e oferece o objecto, por um determinado preço. Ser português, neste caso, é uma vantagem, porque acham que nós somos pobres como eles. Conversamos, discutimos, num linguajar franco-anglo-luso-espanhol; quase nos insultamos, porque é assim nas grandes famílias. Depois de consumado o negócio, é assinado o tratado de paz. Por mim, apetece-me sempre abraçar o meu novo amigo, que teve a gentileza de vender um objecto por um preço tão acessível.
Ainda estava a fazer as contas com a minha esferográfica e já ele me estava a propor a sua troca por um espelhinho, com um aro de metal…
E tem sido assim todos os dias… mesmo no dia 11 de Setembro de 2001, nesta terra, não muito longe daquela que viu nascer três grandes religiões.
Nos escombros e trevas que a televisão teima em mostrar, há uma luz que ilumina e elimina o nosso terror: do outro lado, afinal, estão homens como nós.
Eu, agora, vou para o meu quarto e juro que vou pensar numa estratégia, para comprar pelo melhor preço um casaco de cabedal que vi numa loja.
Guerra, qual guerra?

32 comentários:

Isabel disse...

Qué bellos recuerdos de esa plaza, donde estuve este verano y se quedó parte de mi corazón. Hice unas fotos preciosas, mientras el sol caía y cantaban en las mezquitas, y las luces de los puestos de comida le daban un aire festivo y hermoso a la plaza. Imposible olvidarlo, y menos a partir de tus palabras, besos.
http://senderosintrincados.blogspot.com

Fernanda Irene disse...

Querido Antonio, hoy nos presentas esta pintura racial, multicolor, viva, llena de colores brillantes, con olor a especias y a té con menta, con sonido, luz y embrujo y es que usas las palabras con la misma maestría que los pinceles.

Has elegido de nuevo una música preciosa,en esta ocasión de un gaditano ilustre. Gracias

Beijo

Irene

Suzana disse...

Homens como tu.É isso que o mundo precisa.

KLAU disse...

MENINA...QUE BELLO !!! OJALA PUDIERA ENTENDER PORTUGUEZ PARA DISFRUTAR DE TUS POST BIEN !!! ME DA PENA PARA CONMIGO....
GRACIAS POR VISITARME, SHE HA SIDO MAS QUE GENEROSA CON SUS PALABRAS Y TU VISITAME TODO EL TIEMPO QUE GUSTES ESPIA, VE, MIRA, LEE, TOMA DEL LUGAR LO QUE TE GUSTE, DESDE YA TE ENLAZO ENTRE MIS LUGARES PREFERIDOS SABES?
ME ENCANTA QUE TE HAYA GUSTADO EL SABOR DE MI ESPACIO !!
DISFRUTAME Y DISFRUTALO

UN BESINHO (ESTARA BIEN ESCRITO JAAJAJAJAJ???)
KLAU

A.Tapadinhas disse...

Isabel: Quando coloquei este post fiquei, de olhos fechados, a sentir os cheiros e os sons daquela praça, plena de vida... As cores estão impressas de tal maneira que poderei reproduzi-las de cor...
Beijo com sabores de especiarias.
António

A.Tapadinhas disse...

Irene: Lembrei-me de ti, na descrição da praça, cheia de vida, de cores, de cheiros... Lembrei-me do tua descrição do mercado de Pinhal Novo, e dos mercados de Cádis. E lembrei-me de ti, por causa do gaditano Manuel de Falla, amigo e par de Debussy, Stravinsky, Ravel...
Beijo com música.
António

A.Tapadinhas disse...

Suzana: Suzana! Suzana! Deixas-me sem palavras! Digo obrigado, enquanto vou pensando... :)
Beijo.
António

A.Tapadinhas disse...

Klau: Menino=substantivo, género masculino, menina, género feminino.
Eu sou menino, vês? Mas gosto de brincar às (com) bonecas. Sabes que ao começar a ler espanhol estava com o dicionário ao lado e agora só muito raramente o consulto? Um coração grande como o teu entende rapidamente a minha linguagem...
Um beijo e um beijinho... :)
António

Ju disse...

Retribuindo sua delicada visita ao "EAI", aqui estou eu!
Delicioso texto! Cheio de sensações, sabores, com direito a esbarrar nos estranhos pelo caminho!
Adorei!

KLAU disse...

UNA DULZURA !!! Estou morrendo por dentro e o meu coração chora:
Procuro e não te encontro,
preciso de ti agora!
Beijo.
António
NO QUIERO QUE TU CORAZON LLORE QUIERO QUE DISFRUTE RIE BAILE AQUI ESTOY PARA BAILAR OTRA VEZ Y APRENDER A REIR NUEVAMENTE PARA QUE LA TRISTEZA SE VAYA DE MI Y REIR GOZAR OTRA VEZ
GRACIAS POR TUS DESEOS
GRACIAS POR TUS PALABRAS
BEIJO (LO ESCRIBI BIEN PORQ LO COPIE !!!)
JAJAJAJAJAJ
KLAU

ana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ana disse...

"Donde fueres, haz lo que vieres" es un famoso refrán español y supongo que de más sitios, parecido al "En Roma, se romano".

Hacía días que no te visitaba, me ha hecho ilusión ver algún comentario tuyo en mi blog, siento que hayas tenido tanta dificultad para acceder y visualizar. No estamos tan lejos, con Brasil no hay tantos impedimentos.
Un abrazo fuerte,
Ana

A.Tapadinhas disse...

Ju: Ainda bem que consigo transmitir as sensações que se desfrutam naquela praça maravilhosa... Adorei a sua visita!
Bjo.
António

A.Tapadinhas disse...

Klau: Sinto com intensidade as ondas que saem do centro do furacão que tu és! A espiral das tuas emoções deixam-me sem respiração... :)
.......está quase.....
Pronto, já recuperei!
Um beijo (bem dado e bem escrito!).
António

A.Tapadinhas disse...

Ana: Consegui entrar em "Diabillos...", através do "Assertiva", na lista dos blogues que fazem parte da "Aldeia". Experimentei assim para ver se "enganava" o meu ou o teu (não sei) anti-vírus, que achava qualquer coisa suspeita e me impedia o acesso. Mais logo vou experimentar para ver se ainda se mantém o bloqueio. A proximidade física não quer dizer nada; vi num programa o caminho que segue os e-mails que mandamos: dão uma volta ao mundo antes de chegarem ao local certo. Perfeitamemte incrível.
O provérbio espanhol diz o mesmo com outras palavras. E eu já disse muitas. Eram saudades...
Beijo.
António

Sibyla disse...

Querido amigo Antonio, hace unos meses, estuve en Tetúan y Tánger. Como bien dices, apetece coger apuntes de toda esa cultura tan exótica y llena de luz y color.
Preciosa danza del Amor Brujo de Falla! Qué deleite!
Gracias!
Un abrazo:)

arianams disse...

Tó!
Isto só pode ser bom!
Acabei de regressar de Marrocos este sábado! Ainda não tive oportunidade de colocar umas fotos no blog, mas depois hás-de passar por lá.
Fui ainda um bocadinho mais para Sul e para o litoral, há procura de ondas para surfar :) Junto a Agadir, uma terreola chamada Taghazout (lê-se Tarrazout).
Também dava uns belos quadros,acredita!

Beijinhos,
Ariana

KLAU disse...

QUERIDISIMO ANTONIO VE POR MI BLOG A RECOGER ALGO PARA TI A TRAERTELO PARA TU CASA SI?
NO TENGO MAS QUE PALABRAS DE AGRADECIMIENTO PRA VOCE (ESTARA BIEN YO VOY PROBANDO SI? JAJAJAJ MEO MUNDO PRECISA TU COR CHEIO DE VIDA EU ADOREI...ESTA BIEN?)

OBRIGADO Y BESINHO GIGANTEZCO
JAJAJAJJAJAJJAJAJ
KLAU

SHE disse...

Pues si quieres que sea romana, serè romana, si quieres que sea portuguesa serè portuguesa, si la paga seràn estos divinos escritos y esta linda mùsica, asì sea!

Me alegro que domines mejor el español.

beijo menino. :))

A.Tapadinhas disse...

Sibyla: Tão próximos de nós, com séculos de história comum, mas tão diferentes, na aparência... Quando olhamos de mais próximo as diferenças esbatem-se...
Oiço aquela música e apetece-me dançar...
Beijo com música.
António

A.Tapadinhas disse...

Ariana: Tagazhout? As coisas que tu descobres! Vou passando pelo teu blog, para ver se encontro alguma foto inspiradora...
Bjinhos.
António

PS. Já estavas tão "preta"... agora deves parecer um tição queimado!

A.Tapadinhas disse...

Klau: A tua exuberância manifesta-se de todas as maneiras: não és capaz de dar um beijinho (sufixo inho= pequenino ou em sentido figurado= carinhoso)... Tem de ser um beijo giganteeeeeeeeeeeesco...
O casal que colocaste no teu post, é muito inspirador... Agradeço a vida que lhe dás e faço como ele...
Beeeeiiiiiijo! :-))
António

A.Tapadinhas disse...

She: Ainda mal refeito do vulcão Klau, aparece o furacão She (ou é ao contrário?)...
As tuas palavras são um verdadeiro elixir de eterna juventude... e muito inspiradoras!
Beijo reconhecido.
António

Jorge Lemos disse...

Percepção e sensibilidade do narrador ao buscar, de forma soberba, os nomentos relatados.
O clima Oriental pelo sensíveis olhos do artista. "Senti Malba Than:
"Fecha o teu Alcorão oh! meu amigo e escuta o triste cantar de um pobre beduino e sonhador"

Composição extraordinária.

Jorge Lemos disse...

Percepção e sensibilidade do narrador ao buscar, de forma soberba, os nomentos relatados.
O clima Oriental pelo sensíveis olhos do artista. "Senti Malba Than:
"Fecha o teu Alcorão oh! meu amigo e escuta o triste cantar de um pobre beduino e sonhador"

Composição extraordinária.

Pena disse...

Estimado Amigo:
Lindas e doces as senhoras, num bailado terno e sentido. Muito profunda a entrega delas. Vivem com dignidade. A sua dignidade.
Um peculiar sentir majistral "esculpido" pela majestosa etnia que a sustenta.
Dança que faz palpitar emoções e "desenhar" uma tela de sentimentos maravilhosos e, de certeza, ancestrais de deslumbre.
Excelente quadro!

Abraço amigo, talentoso Amigo
Amigo criativo, muito!, com letra A grande

Com respeito e admiração

pena

KLAU disse...

Meu Antonio a ver si no hago pasar verguenza:

Klau É pura paixão e deseja-lhe desfrutar meu blog como se você estivesse olhando através de um caleidoscope desfrutando cada palavra e deseja aprender com você sobre a sua escritos maravilhosos.
Gostaria de dedicar-lhe uma canção argentina chamada Animal canção

Hipnotismo um flagelo
doce, como doce
Peles, couro e metal
Charol e carmim.

Quando o corpo não é esperado
O que eles chamam de amor ...

Cada lágrima de fome
O mais puro néctar
Nada doce
Que o desejo cadeias.

Quando o corpo não é esperado
O que eles chamam de amor ...


Sempre mais
Chamadas e vidas
Animal canção
Animal canção

Eu não servem as palavras
Gemir é melhor
Quando o corpo não é esperado
O que eles chamam de amor ...

Sempre mais
Chamadas e vidas
Animal canção

jajjajajjajajja parezco Tarzan y Jane verdad? Espero q sepa que lo hago para que me sienta mas cerca y para que sepa que al no saber su idioma quiero Honrarlo aprendiendolo

um beijo giganteeeeeeeeeeeesco
é muito inspirador !!!!!!!!... Agradeço a Deus que lhe dás e faço como ele...
OBRIGADO e como suzana disse Homens como tu, É isso que o mundo precisa.
Klau

A.Tapadinhas disse...

Jorge Lemos:
Colocou dois comentários, mas desengane-se meu amigo: não fica dispensado de fazer o próximo... Até prova em contrário (Malba Than é capaz de tudo!), acho que são os dois iguais! :)
A sério meu amigo: mais uma vez muito obrigado pelas suas palavras!
Abraço.
António

A.Tapadinhas disse...

Amigo Pena:
Hoje sou eu que lhe peço desculpa: não queria forçá-lo, melhor, que se sentisse obrigado, a responder-me. Mea culpa! Já tinha a obrigação de saber que o seu sentido do dever (é talvez excessivo, mas não encontrei outra expressão), a isso o impeliria. De qualquer maneira, aproveito para lhe agradecer as gentis palavras.
Um abraço.
António

A.Tapadinhas disse...

Querida Klau:
Me Tarzan, you Jane!
Não conhecia "Cancion Animal", nem os Soda Stereo. Tu, Jane, estás a abrir-me novos horizontes!
Só faria duas ou três correcções, para podermos cantar afinados:
"Quando o corpo não espera...
Gemer é melhor..."
Então vamos começar, ao meu sinal:
-Hipnotismo um... lá, lá, lá...
Beijo com música.
António

Jorge Lemos disse...

Aontonio:
Foi um comentário só. É que a WEB, as vezes, insiste em duplicar as coisas. Pago o pecado de morar em área rural, distante das tecnologias. A distâncis dos sons dos tambores para a minha linha telefônica é mínima, mesmo assim insisto.
Sucesso amigo.

A.Tapadinhas disse...

Jorge Lemos:
Gostava que isso (da duplicação) acontecesse comigo: a cópia é sempre inferior ao original.
Tambores ou sinais de fumo são mais fiáveis... o pior é o vento...
:)
Abraço.
António