sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
FERNANDO PESSOA
Retrato de Fernando Pessoa, 1954
Pintado por Almada Negreiros, Óleo sobre tela (201x201)
Almada Negreiros quis homenagear o seu amigo com esta obra magnífica. Toda a cintilante luz que percorre o café, e faz vibrar os soberbos vermelhos que envolvem o poeta, criam um contraste com a sua indumentária negra, que permanece impassível, concentrado na busca que marcou a literatura portuguesa e a mítica Geração do Orpheu.
Por diversas vezes tenho visto blogues portugueses e estrangeiros com poemas ou citações de Fernando Pessoa, que mostram a sua universalidade. Nessas alturas lembrava o desenho, que fiz para ilustrar uma crónica de jornal:
Fernando Pessoa
Tinta da china sobre cartolina rosa, 27,5 x 27,5 Pormenor
(O meu scanner não tem largura suficiente para apanhar todo o desenho).
A minha crónica dizia:
NA MESA DO CANTO
Os cafés são recintos onde só com muita dificuldade, actualmente, duas pessoas podem conversar naturalmente, devido à poluição sonora. Em compensação, tornou-se um local privilegiado para se saber as últimas novidades da vizinhança e os palpitantes desenvolvimentos das telenovelas da vida real.
Aquele que eu frequento mais assiduamente, fica em frente a um notário e perto do quartel dos bombeiros. É lá que tomo o café adoçado com meio pacote de açúcar e mexido com uma colherada das notícias do dia.
Na maior parte dos casos a reportagem é feita pela Dona Rosa, uma senhora de meia idade, de carnes generosas e voz de soprano a frequentar as primeiras lições de canto. Entra sempre cansadíssima, porque as suas mãos transportam vinte ou trinta sacos da Cooperativa “A Vontade do Povo”, do Intermarché, do Continente, da Feira-Nova, num “frou-frou” de plásticos, mistura de proletários e capitalistas, de couves e brócolos, onde convivem carapaus e petingas, com iscas e couratos.
Não sei como é possível uma simples dona de casa do terceiro esquerdo do Bairro da Caixa, ter tantos e incríveis acontecimentos para contar a toda a gente. A televisão sempre a vomitar colcheias, daquele incrível canal que tem a mesma música durante vinte e quatro horas por dia, serve apenas para sublinhar com uma banda sonora, as aventuras e desventuras dos seus personagens, num aumento de decibéis, à medida que as histórias se desenvolvem, entrelaçadas como pétalas de rosa.
Entre os frequentadores do café contam-se um avô e seu neto, Carlitos. O seu relacionamento, pode considerar-se perfeito. Tudo o que vai para a mesa é sistematicamente recusado pelo miúdo, sem razão aparente. Tudo o que a criança escolhe é recusado pelo avô: por ter creme a mais “ficas todo sujo”, ou demasiado gás “faz doer a barriga”, ser muito doce “faz mal aos dentes”, ou ter muito sal “faz muita sede”. Como se constata, por muitas e boas razões, todas ultrapassadas com facilidade, quando o petiz se lança para o chão aos gritos, numa simulação oscarizável de um ataque epiléptico. Claro que a partir desse momento, pode comer o quiser.
Segue-se a invasão dos bombeiros que saem do seu turno. Chegam em grupos de três ou quatro envergando a farda de trabalho, o fato de macaco e pedem invariavelmente sandes e cervejas. Falam só por monossílabos, cansados e, talvez, ainda impressionados com a dureza das nobres missões cumpridas durante a noite.
Segue-se um espectáculo de som e cor: o café transforma-se num estuário onde o azul, profundo como o mar da ganga viril dos bombeiros, é invadido pelo verde das fardas de terilene das técnicas de limpeza e conservação de espaços urbanos (como diria a D. Rosa, mulheres do lixo) que, como um bando de gralhas fugidas do jardim, pousam entre as mesas, grasnando entre si, novidades para todos os presentes.
Um pouco mais tarde, começam a juntar-se os herdeiros. Reconhecem-se com facilidade: vestem de preto, têm os olhos vermelhos e embora sejam todos familiares, dividem-se em grupos, crocitando entre si, como abutres a disputar bocados de carniça.
Saio rapidamente, enquanto o bando se reúne na árvore a espiar a abertura da porta do cartório, esticando os pescoços como as mãos de arrumadores de automóveis na caça de moedas.
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33 comentários:
António: Obrigada pelo carinho...
Cada obra nova tua, seja pintura ou escritura, mostra com mais força que o título deste blog é na mosca!!! Este teu desenho e crônica estão fenomenais... O desenho pintando a palvra e a crônica escrevendo a pintura... Fernando Pessoa é um sonho, como eu disse lá no meu blog e esta homenagem maravilhosa!
Beijos de admiração
Querido Antonio, mientras leía tu crónica (no sin dificultad; he tenido que añadir a mis vínculos un diccionario portugués-español), me he visto sentada a una mesa de ese café, la que está junto a la ventana. Mientras sorbía un té bien caliente, iba viendo a todos esos personajes que describes. Doña Rosa, tan lustrosa, remangada hasta el codo, sin parar de relatar acontecimientos; el abuelo con su nieto, hablándose ambos y sin ponerse de acuerdo; las limpiadoras con sus uniformes, charlando atropelladamente y riendo a pleno pulmón; a los bomberos, cansados y taciturnos. También he visto entrar a esa bandada de cuervos, pájaros de mal agüero, esperando la carnaza. Todos estaban ahí, tan cerca de mí que casi podía tocarlos con solo alargar la mano. Incluso me ha parecido verte en una mesa, al otro lado del salón. A pesar del bullicio de verdes, azules y negros te he descubierto porque, junto al aroma del café, me venía un sutil olor a trementina.
Besos y gracias por el té
Irene
Anne: Achas mesmo, que Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, comandados pelo Chevalier de Pas, não estão combinando um regresso para me dar uma surra, pelo meu atrevimento?
Uff!
Um beijo descansado.
António
Irene: É uma delícia estar contigo, com ou sem chá=té. A tua descrição do mercado gaditano é uma pérola, mas ao contrário da ostra, que leva anos até produzir uma nova, tu ofereces-me, e a todos que por cá passarem, uma nova, mais perfeita que a anterior, poucos dias depois. É um prazer ler-te.
Beijo com odor de café.
António
Precisamente Pessoa, precisamente.
preciosamente Pessoa,
un abrazo Antonio,
ana.
Hola Antonio me gusto mucho tu blog y me encantaria que visites el que he creado hace poco tiempo.Soy amiga de zulma y visitadora de su altillo.Carioños Angelica
una mezcla encantadora, Pintura, poesia, e historia. !maravilloso !
Besos y muchos màs.
Estimado Amigo de Deslumbre:
Você é um fenómeno pela magia como salpica a tela da vida. Pode ser policromática. Adoro cores. Muitas! Mesmo ao acaso. Desordenadas porque acredito que as poria no devido lugar sem questionar o porquê que eu também não sabia explicar-lhe.
Talvez, salpicando a tela como concebe a sua vida que decora em palavras, em actos, numa escrita brilhante e admirável. Talentosa!
É um Cidadão ENORME, acredite?
De si jorra só maravilha, jorra a percepção dum sentir e ser imensos que preenchem fascinantemente a sua sensível interioridade.
Olhe, estou perplexo, espantado, vivendo um sonho sublime.
Como escreve com delícia os seus sentimentos e pensamentos e o quotidiano das pessoas! Decora-os com profunda beleza.
Adorei.
Abraço forte de estima e amizade
pena
Ana: Li que tinha havido problemas de saúde contigo e com o computador: são precisos os dois para comunicarmos.
"O que eu penso do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso."
Caeiro/Pessoa
Abrazo cariñoso.
António
Angelica: Gracias pela tua visita e pelas tuas amáveis palavras. Vou visitar-te de imediato: uma amiga da princesa d´el Altillo, minha amiga é! Até já!
Beijo!
António
Amanecer: A luz da manhã transportada pelas tuas palavras, são um maravilhoso começo de dia...
Beijo.
António
Pena: É surpreendente (e reconfortante!), que alguém, como o meu amigo, com a experiência de vida que demonstra a cada passo, mantenha tão viva essa capacidade de amar os outros e, ainda mais importante, o manifeste com tanta exuberância. Sabe que as pessoas se envergonham de mostrar os seus sentimentos, pelos mais diversos motivos, que muitas vezes, não passam de desculpas esfarrapadas... Não sabem o que perdem... Todos nós ganhamos com pessoas como o meu caro amigo.
Abraço.
António
Ver alguem postar sobre um dos meus poetas preferidos ,é maravilhoso e suas descrições nos fazem ver mais do que a imagem.Inspiração de Fernando Pessoa??
Um excelente texto. Fernando Pessoa é dos maiores poetas de sempre.
hermoso blog.me ha llevado un iempo leer el texto..pero bueno lo pude entender
Abrazos
Olha, Adriana, não me atrevo a pensar que Fernando Pessoa iria perder tempo comigo... Ele avisou-nos:
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Beijo.
António
Rui Caetano: Todos os portugueses que se interessam minimamente pela cultura, têm essa noção. Mas aquilo que para mim tem sido uma profunda surpresa, é a popularidade de que Fernando Pessoa disfruta em Espanha, América do Sul e Central. Claro que tenho de fazer uma referência especial ao Brasil, onde é vulgar aparecerem citações ou posts com o Poeta. Tem sido muito reconfortante.
Abraço.
António
mi despertar: Proponho-te uma adivinha: Como se chamava o ilustrador checo que foi uma das principais figuras do movimento Arte Nouveau? Claro que tu sabes!Não é por acaso que o teu nome é Mucha...
Beijo com saudades, no teu blog saberás porquê...
António
me gusta como escribes, me encantaria que lo hicieras en español ya que es mi propio idioma.Te sigo leyendo aunque me quedo a mitad de camino a veces ya que no entiendo
Besos desde mí
Tu faceta de columnista es muy atractiva, describes el ambiente del cafe, a sus gentes de una manera dinamica y visual.
Sem margens debio ser una columna muy leida.
Tu reproduccion del cuadro, añadiendo el buitre un acierto.
Abrazo
Passei pelo teu blog, vi adorei, e claro fiquei cativo.
Grato por nos conduzir pelo mundo da pintura, encurtando os caminhos pelas vielas das cores e dos matizes de tuas explanações.
Lindas obras, belissimos textos, prazer em conhecê-lo.
Mucha: As nossas duas línguas são muito semelhantes. Eu, de tanto ler espanhol, já o faço quase como em português. Contigo irá passar-se o mesmo. E a linguagem do coração é universal, não achas?
Beijo sem tradutor.
António
Deu-me muito prazer fazer estas crónicas... Mal sabia eu que iriam ter uma segunda leitura no meu espaço. El buitre ficou muito surpreendido por haver alguém que gosta dele. Manda-te uma bicada... carinhosa!
Abraço sem bicos.
António
Vittorio: Agradeço as tuas palavras. É muito reconfortante receber desse lado o estímulo desinteressado e amigo.
Abraço.
António
...mi querido muy querido amigo Antonio, leyendo tu relato me sentí como la preciosa Fermina Daza ( Irene de amor)totalmente dentro de ese café ; algo especialmente fácil para mí como ya sabes ,por ser mi trabajo el de camarero y por tanto testigo de muchos sucesos, situaciones y personajes. Me encanta como ya sabes Pessoa...me encanta tu pintura...tus palabras pero sobre todo la energía que irradias tú desde tu enorme corazón.De alguna manera tu corazón también resulta para nosotros ese cálido lugar de encuentros...ese café donde juntarnos para compartir.
Abrazos abrazos abrazos!!
aunque es una pintura muy bien lograda,yo me espero,a ver
la versión de Tapadinhas.
cronica chuzca,elocuente
abrazos amigo
:)
Gorrión: Meu querido Lobo das Astúris, sinto-me muito mal porque te fiz lembrar o teu trabalho... :)
Tens toda a razão: Irene faz uma descrição notável das personagens do café. Tenho lá um encontro com ela. Já lhe perguntei, e ela faz questão que tu também compareças. Não faltes!
Até lá, um abraço.
António
Tino: Fernando Pessoa ou Almada Negreiros, não sei qual deles seria o primeiro a protestar contra a minha desfarçatez...
Agradeço-te as palavras. Não lhes digas nada! :)
Abraço.
António
Amigo António,
Mais uma que temos em comum:
A admiração por Fernando Pessoa, cuja imagem em tuas mãos se pereniza com maestria.
Um abraço,
Walmir
Amigo Walmir:
O mérito vai inteirinho para FP. Nós somos apenas seus eternos admiradores...
Abraço.
António
Pessoa y Lisboa, me temo que están tan unidos que casi son una misma cosa.
Precioso retrato del ilustre escritor.
Bello homenaje!
Abrazos amigo Antonio.
Sibyla: É uma união cheia de força:
Lisboa, quase 900 anos de história e FP para sempre na História.
Obrigado, querida amiga.
António
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